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Sexta Selvagem: “Planária-de-Ladislau”

ResearchBlogging.org por Piter Kehoma Boll

Hoje apresentarei a vocês outra planária terrestre, e uma que eu particularmente gosto. Seu nome binomial é Obama ladislavii (antigamente Geoplana ladislavii) e, como a maioria das planárias terrestres, ela não tem um nome popular, apesar de eu sugerir que seja “Obama-de-Ladislau” ou “Planária-de-Ladislau”. Agora quem é Ladislau?

Bem, primeiro vamos dar uma olhada em como esta espécie foi primeiramente descrita.

A planária-de-Ladislau foi descrita em 1899 pelo zoólogo Ludwig von Graff em sua famosa monografia, “Monografie der Turbellarien”. Graff a descreveu baseado em espécies enviados a ele do sul do Brasil pelo zoólogo Hermann von Ihering, bem como em outros espécies coletados pelo biólogo Fritz Müller.

Na época em que Ihering e Müller estavam coletando espécimes no Brasil, um botânico chamado Ladislau de Souza Mello Netto era o diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Na verdade foi ele quem contratou os dois como naturalistas viajantes, de forma que podemos dizer que ele foi o responsável por eles terem a possibilidade de coletar espécimes no Brasil.

Como resultado, quando estava descrevendo esta nova espécie de planária, Graff decidiu chamá-la de ladislavii em honra a Ladislau Netto. Ao menos é o que eu acho! Eu não encontrei nenhuma referência a isso, visto que Graff não explicou a etimologia do nome da descrição. Contudo a quem mais ladislavii poderia estar se referindo?

Agora que explicamos o nome, é hora de falar do verme propriamente dito.

A planária-de-Ladislau é encontrada no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina e é facilmente reconhecida por sua cor verde. Os maiores espécimes podem medir mais de 10 cm de comprimento e mais de 1cm de largura enquanto estão reptando, de forma que é uma planária consideravelmente grande para os padrões locais.

Obama ladislavii em toda sua verdejância. Foto por Piter K. Boll

Obama ladislavii em toda sua verdejância. Foto de Piter K. Boll*

A maioria das planárias terrestres são encontradas ou em ecossistemas bem preservados, por exemplo, no interior de florestas não perturbadas, ou em ecossistemas bem perturbados, como jardins e parques urbanos. Já a planária-de-Ladislau pode ser encontrada vivendo muito bem tanto em paraísos naturais no meio de uma floresta densa quanto em pequenos jardins ao lado de uma rua movimentada. Como isso é possível?

A história de vida de muitas espécies de planárias terrestres é completamente desconhecida, de maneira que nem mesmo sabemos o que elas comem. Elas são conhecidas como predadores importantes de outros invertebrados, mas isso não basta, já que ser um predador não significa que você coma qualquer coisa que se move, certo?

Até recentemente, sabíamos muito pouco sobre a planária-de-Ladislau, mas eu comecei a estuda-la junto com outras espécies nos últimos anos e assim agora temos ao menos uma ideia do que ela come, e a resposta é: Gastrópodes, isto é, lesmas e caracóis!

Geralmente encontramos gastrópodes em jardins, parques, plantações e qualquer lugar em que humanos plantam algo, então eles são uma refeição disponível para a planária-de-Ladislau. Ela se alimenta de muitas daquelas pragas incômodas que você pode encontrar no seu jardim, incluindo o caracol-de-jarim (Helix aspersa), o caracol-dourado (Bradybaena similaris) e a lesma-das-verduras (Deroceras laeve).

Obama ladislavii and one of its snacks, the snail Bradybaena similaris

Obama ladislavii e um dos seus petiscos, o caracol Bradybaena similaris. Foto de Piter K. Boll*

A planária-de-Ladislau pode seguir o rastro de muco deixado pelo gastrópode de maneira a encontrar e capturá-lo. A forma mais eficiente para a planária subjugar a presa é contornando-a com o corpo e usando força muscular, não muito diferente do que faz uma cobra constritora.

Levando em conta seu gosto por pragas, a planária-de-Ladislau parece ser um bom item a ter em seu jardim, certo? Sim, mas só se você morar no sul do Brasil. Exportá-la para outras áreas pode levar a resultados catastróficos.

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Referências:

Boll, P., & Leal-Zanchet, A. (2014). Predation on invasive land gastropods by a Neotropical land planarian Journal of Natural History, 1-12 DOI: 10.1080/00222933.2014.981312

Graff, L. v. 1899. Monographie der Turbellarien. II. Tricladida Terricola. Engelmann, Leipzig, 574 p.

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A abelha poliglota

por Piter Kehoma Boll

ResearchBlogging.orgComunicação é essencial para humanos, e também é para outros animais que vivem em grupos. Um fato interessante é que, mesmo que humanos modernos somente tenham surgido cerca de 200 mil anos atrás, o número de línguas que evoluíram em nossa espécie desde então é  enorme. E duas pessoas falando línguas diferentes geralmente não conseguem se entender. Mesmo gestos manuais, como o sinal significando “vem cá”, é bem diferente entre culturas. A maior parte de nossa comunicação não é herdada, mas aprendida.

Três maneiras diferentes de dizer "vem cá" com gestos. As duas primeiras são ocidentais e a última é oriental. Fotos tiradas de forum.onverse.com (esquerda), scmorgan.com (centro) and japanpowered.com (direita).

Três maneiras diferentes de dizer “vem cá” com gestos. As duas primeiras são ocidentais e a última é oriental. Fotos tiradas de forum.onverse.com (esquerda), scmorgan.com (centro) and japanpowered.com (direita).

Mas e quanto à comunicação em outros animais? É possível que línguas diferentes evoluam em populações separadas de forma que um grupo não possa entender o que o outro está dizendo?

Uma forma de comunicação bem conhecida e bem estudada em animais é a dança das abelhas, usada por abelhas para indicar a localização de uma fonte de alimento a outras. Esta dança informa a direção e a distância de uma fonte de comida a partir da colmeia de maneira a guiar outras abelhas para o local certo.

Esquema da dança das abelhas. Imagem pelo usuário Audriusa*, do Wikimedia Commons.

Esquema da dança das abelhas. Imagem pelo usuário Audriusa*, do Wikimedia Commons.

Basicamente, o que a abelha faz é se mover em um trajeto formando uma figura em forma de 8. O ângulo da dança em relação à orientação da colmeia indica o ângulo da fonte de alimento em relação ao sol. A parte média da dança, que representa a parte onde os dois laços do 8 se sobrepõem, é feita com uma sacudida frenética. A duração dessa parte sacudida da dança informa a distância  da fonte de alimento da colmeia.

Há muitas subespécies de abelhas e a dança pode ter se tornado diferente em cada uma delas por evolução, criando diferentes línguas ou dialetos de dança. É difícil, no entanto, comparar esses dialetos porque eles podem ser ajustados a diferentes condições do ambiente, de forma que duas colmeias precisam estar nas exatas mesmas condições para serem comparadas. A melhor maneira de comparar diferenças seria criando duas espécies diferentes de abelhas na mesma colmeia. Mas isso é difícil porque abelhas tendem a atacar estranhos por eles serem facilmente identificáveis pelo cheiro.

Ainda assim, após algumas tentativas, um grupo de cientistas da universidade de Zhejiang na China foi capaz de criar algumas colmeias mistas de abelhas-europeias (Apis mellifera ligustica) e abelhas-asiáticas (Apis cerana cerana).. Eles observaram o comportamento de indivíduos de ambas as espécies na colmeia de maneira a encontrar diferenças em suas danças e como elas se comunicavam entre si.

Apis cerana cerana (esquerda) e Apis mellifera ligustica (direita). Fotos pelo usuário Viriditas*, do Wikimedia Commons (esquerda), e por Charles Lamm** (direita). Extraídas de commons.wikimedia.org

Apis cerana cerana (esquerda) e Apis mellifera ligustica (direita). Fotos pelo usuário Viriditas*, do Wikimedia Commons (esquerda), e por Charles Lamm** (direita). Extraídas de commons.wikimedia.org

Os resultados foram muito interessantes. As danças eram consideravelmente diferentes para cada espécie, mas as abelhas retiveram parte de sua dança original nas colmeias mistas e alteraram outra parte. Não houve diferença em comunicar a direção do alimento entre espécies criadas na colmeia mista, mas abelhas-asiáticas mostraram uma sacudida de dureção mais longa que abelhas-europeias para informar a mesma distância. Apesar disso, ambas as espécies foram capazes de entender a dança de indivíduos da outra espécie e chegar à fonte de alimento sem problemas. Mesmo quando outra fonte de comida na mesma direção estava mais próxima da colmeia, as abelhas escolhiam a fonte mais distante informada na dança.

Parece então que abelhas são excelentes em entender línguas estrangeiras, mas não tão boas em “falá-las”. Elas ficam com um forte sotaque, mas são capazes de se entender de qualquer forma.

Além disso, apesar de se estimar que abelhas-europeias e abelhas-asiáticas tenham se divergido há mais de seis milhões de anos, elas ainda conseguem se entender. Isso indica que a dança é um comportamento bastante conservado.

A dança parece ter uma possível parte genética, como a duração das sacudidas, visto que ela não foi afetada pelo ambiente misto. Mas ele também possui uma parte aprendida, como a informação sobre a direção da comida.

Tais resultados levantam boas questões e indicam um caminho a seguir para estudar e entender melhor o aprendizado social, isto é, aprendizado por informações adquiridas e outros indivíduos e não por experiência pessoal.

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Referências:

Su, S.; Cai, F.; Si, A.; Zhang, S.; Tautz, J. & Chen, S. 2008. East Learns from West: Asiatic Honeybees Can Understand Dance Language of European Honeybees PLoS ONE, 3 (6) DOI: 10.1371/journal.pone.0002365

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O que na Terra é Leimacopsis terricola? Um mistério platelmíntico.

por Piter Kehoma Boll

Ah, os velhos tempos…

Os séculos XVIII e XIX foram bem marcados por expedições mundiais de naturalistas a bordo de navios viajando ao redor do mundo. Charles Darwin é certamente o mais famoso deles, mas ele não foi o único.

Um destes naturalistas foi Karl Ludwig Schmarda, nascido em 1819. Ele estudou em Viena e foi posteriormente um professor em Graz, Áustria. De 1853 a 1857, ele viajou ao redor do mundo investigando várias localidades e coletando primariamente invertebrados. Depois de seu retorno, ele publicou um trabalho entitulado Neue wirbellose Thiere beobachtet und gesammelt auf einer Reise um die Erde 1853 bis 1857 (Novos animais invertebrados observados e amostrados em uma viagem ao redor da Terra, 1853 a 1857).

Entre os incontáveis animais que ele descreveu havia um verme que ele chamou de Prostheceraeus terricola. A descrição é como segue:

Prostheceraeus terricola. Schmarda.
Taf. VI. Fig. 69.

Char. : Corpus oblongo-lanceolatum. Dorsum convexum viride. Fascia mediana et margo purpureus. Tentacula subuliformia.

Der Körper ist weniger flach als in andern Planarien, länglich, hinten lanzettförmig zugespitzt, vorne beinahe quer abgeschnitten. Die Fühler sind kurz und pfriemenförmig zugespitzt. Der Rücken ist stark convex, fast grasgrün, mit einer purpurrothen Längslinie nach seinem ganzen Verlaufe. Der Rand nicht wellenförmig, purpurroth gesäumt. Die Hauchfläche ist grünlichgrau. Die Länge 20mm, grösste Breite 5mm. Die Augen sind am innern Rande und der Basis der Fühler. Die Gruppe im Nacken, habe ich nicht beobachtet. Die Mundöffnung ist im vordern Drittel. Die Geschlechtsöffnungen habe ich nicht aufgefunden.
Der Grund meiner unvollständigen Kenntniss dieser Thierform ist der Umstand, dass ich nur ein Exemplar in dem obern Theile des Quindiu-Passes ober der Region der Bergpalmen gefunden hatte, welches ich in Gallego skizzirte, das aber schon zu Grunde gegangen war, als ich es in meiner Abendstation in Tocho einer wiederholten nähern Prüfung unterziehen wollte.

Em português:

Corpo oblongo-lanceolado. Dorso convexo verde. Listras mediana e marginais roxas. Tentáculos em forma de furador.

O corpo é menos achatado que em outras planárias, alongado, atrás pontudo e lanceolado, na frente quase transversalmente cortado. Os sensores são curtos e em formato de furador. O dorso é fortemente convexo, quase verde-grama com uma linha roxa correndo completamente ao longo dele. Margem não ondulada e colorida de roxo. A superfície ventral é cinza esverdeado. Comprimento de 20 mm, largura máxima 5 mm. Os olhos são na borda interna e na base dos sensores. O grupo no pescoço em não observei. A abertura da boca é no terço anterior. A abertura sexual eu não encontrei.
A razão do meu conhecimento incompleto desta forma animal é devido à circunstância de encontrar apenas um espécime na parte superior da passagem Quindiu acima da região das palmeiras das montanhas, o qual rascunhei em Gallego, visto que ele já estava se deteriorando, para fazer uma revisão ao voltar para a estação em Tocho.

Aqui você pode ver um desenho do animal:

Desenho de Prostheceraeus terricola por Schmarda, 1859

Desenho de Prostheceraeus terricola por Schmarda, 1859

Schmarda pôs outros vermes no mesmo gênero, todos eles marinhos. O gênero é válido até hoje para espécies marinhas e elas são classificadas como pertencendo a Polycladida, aqueles belos platelmintos marinhos.

De fato, este animal na verdade se parece um pouco com um policladido, mas Schmarda o encontrou no topo das montanhas! Isso é bem incomum, e infelizmente ele encontrou somente um espécime.

Prostheceraeus giesbrechtii, outra espécie descrita por Schmarda (1859). Foto de Parent Géry.

Prostheceraeus giesbrechtii, outra espécie descrita por Schmarda (1859). Foto de Parent Géry.

Mais tarde, em 1862, K. M. Diesing fez uma revisão de turbelários e definiu que, como a criatura vivia na terra, ela certamente era uma coisa diferente de um policladido e a mudou para um novo gênero que ele chamou de Leimacopsis (semelhante a lesma):

XVIII. LEIMACOPSIS DIESING.
Prostheceraei spec. Schmarda.

Corpus elongato-lanceolatum, supra convexum. Caput corpore continuum antice truncatum, tentaculis duobus genuinis frontalibus. Ocelli numerosi tentaculorum. Os ventrale antrorsum situm, oesophago… Apertura genitalis. . . Terrestres, Americae tropicae.

1. Leimacopsis terricola DIESING.
Corpus elongato-lanceolatum, supra convexum, viride, vitta mediana corpori aequilonga et marginibus haud undulatis purpureis, subtus viridi-cinereum. Tentacula subuliformia, brevia. Ocelli ad marginem internum et ad basim tentaculorum. Os in anteriore corporis tertia parte. Longit. 10′”, latit. 2 1/3 “.
Prostheceraeus terricola Schmarda: Neue wirbell. Th. I. 1. 30. Tab. VI. 69.
Habitaculum. In parte superiore transitus Andium Quindiu, supra regionem Palmarum montanarum (Bergpalmen), specimen unicum (Schmarda).

É basicamente uma repetição da descrição de Schmarda e baseada somente nela. Parece que mais nenhum outro espécime fora encontrado até este tempo.

Anos mais tarde, em 1877, H. N. Moseley publicou um catálogo de todas as planárias terrestres conhecidas até o momento. Ele incluiu Leimacopsis terricola com a seguinte descrição:

Family. — Leimacopsidæ, Diesing.

Genus Leimacopsis. — Diesing, Revision der Turbellarien, Abtheilung Dendrocoelen, Sitzbt. Akad. Wiss., Wien, 1861, p. 488.
Leimacopsis terricola.—Diesing, 1. c.
Prostheraceus terricola. — Schmarda, ‘Neue Wirbellose Thiere,’ Th. 1, 1—30, Tab. VI, fig. 69.
With a pair of true frontal tentacles beset with numerous eyes. Occurs high up in the Andes at the pass of Quindiu, above the region of mountain palms.

Como pode-se ver, é novamente uma simples repetição da descrição de Schmarda baseada naquele único espécie de 20 anos antes, mas a partir de Diesing o animal passou a ser considerado uma planária terrestre em vez de um policladido.

Depois em 1899, Ludwig von Graff publicou sua grande monografia dos turbelários e eu estou certo de ter visto algo sobre Leimacopsis lá. Infelizmente nunca encontrei uma versão digital e não tenho uma cópia física de fácil acesso, mas de acordo com Ogren (1992), é só uma repetição de Schmarda. Graff, contudo, trocou a ortografia para Limacopsis, mas isso não é válido de acordo com o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica.

Em 1914, finalmente um novo artigo, por O. Fuhrmann, foi publicado sobre planárias terrestres da Colômbia. Ele começa comentando que havia somente três espécies conhecidas para o país para esse momento, um deles sendo Limacopsis [sic] terricola. Contudo a espécie não foi encontrada de novo nessa ocasião…

Os anos se passaram e nada mudou. Em 1991, Ogren & Kawakatsu, em parte de seu índice de espécies de planárias terrestres, comentam que vários pesquisadores, incluindo E. M. Froehlich e L. H. Hyman, consideravam Leimacopsis terricola como sendo possivelmente uma lesma.

Em 1992, Robert Ogren escreveu uma revisão excelente desta espécie, a qual apresenta toda a informação que dei aqui e muito mais. Ele concluiu que o organismo é uma species inquerenda (que necessita de mais investigação) e nomen dubium (nome duvidoso). Não é possível considerar o animal nem como planária nem como molusco, ou qualquer outra coisa devido à falta de informação. Ogren o considerou como “claramente pertencendo ao mundo da criptozoologia”.

Como podemos ver, os criptídeos não precisam ser animais grandes como dinossauros ou pés-grandes. Mesmo pequenos vermes parecidos com lesmas dos Andes podem servir.

Leimacopsis terricola é certamente um organismo interessante. O que ele era realmente? Ele era real? Talvez uma pesquisa extensiva na árvore pudesse revelar algo… ou não. Vamos esperar… ou quem sabe… que tal ir para uma aventura na região andina colombiana em busca desta misteriosa criatura?

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Referências:

Diesing, K. M. 1862. Revision der Turbellarien. Abtheilung: Dendrocoelen. Keiserlich-Königlichen Hof- und Staatsdruckerei DOI: 10.5962/bhl.title.2108

Fuhrmann, O. 1914. Planaires terrestres de Colombie. In: Fuhrmann & Mayor (eds.) Voyage d’Exploration Scientifique en Colombie. Mémoires de la Société des sciences naturelles de Neuchâtel, 5 (2), 748-792

Moseley, H. 1874. On the Anatomy and Histology of the Land-Planarians of Ceylon, with Some Account of Their Habits, and a Description of Two New Species, and with Notes on the Anatomy of Some European Aquatic Species. Philosophical Transactions of the Royal Society of London, 164, 105-171 DOI: 10.1098/rstl.1874.0005

Ogren, R. E. 1992. The systematic position of the cryptic land organism, Leimacopsis terricola (Schmarda, 1859)(olim Prostheceraeus)(Platyhelminthes). Journal of The Pennsylvania Academy of Science, 66 (3), 128-134

Ogren, R. E. & Kawakatsu, M. 1991. Index to the species of the family Geoplanidae (Turbellaria, Tricladida, Terricola) Part II: Caenoplaninae and Pelmatoplaninae. Bulletin of Fuji Women’s College, 29, 35-58

Schmarda, L. K. 1859. Thiere beobachtet und gesammelt auf einer Reise um die Erde 1853 bis 1857. Lepizig: W. Engelmann. DOI: 10.5962/bhl.title.14426

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Sexta Selvagem: Borboleta-88

por Piter Kehoma Boll

Read it in English

Nesta sexta vou falar de uma das espécies mais carismáticas de borboletas, ao menos aqui no sul do Brasil. Diatheria clymena, conhecida como borboleta-88, é uma pequena espécie que apresenta um padrão de manchas e listras pretas e brancas na parte inferior das asas posteriores que se parece com o número 88. Ela se distribui da Guatemala ao sul do Brasil e há diversas subespécies ao longo da distribuição.

Macho (?) de Diaethria clymena meridionalis na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, sul do Brasil. Foto de Piter Kehoma Boll.*
Macho (?) de Diaethria clymena meridionalis na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, sul do Brasil. Foto de Piter Kehoma Boll.*

Adultos dessa espécie são comumente vistos perto de árvores frutíferas, sendo atraídos por frutas podres. Os machos também podem ser vistos em poças, arroios ou mesmo areia molhada com urina, procurando por minerais dissolvidos para consumir.

As larvas desta espécie geralmente se alimentam de plantas do gênero Trema (família Cannabaceae), algo incomum, já que a maioria das borboletas aparentadas se alimentam de plantas da família Sapindaceae. Os últimos estágios larvais, com uma cor verde, tal como a crisálida, possuem dois longos “chifres” pontudos na parte anterior e quando incomodados começam a mover a cabeça rapidamente de um lado para o outro.

Apesar de ser uma espécie consideravelmente comum, geralmente encontrada próxima a assentamentos humanos, ainda é pouco conhecida em relação a seus aspectos ecológicos e fisiológicos.

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Referências:

Barbosa, E. P., Kaminski, L. A., & Freitas, A. V. L. 2010. Immature stages of the butterfly Diaethria clymena janeira (Lepidoptera: Nymphalidae: Biblidinae). Zoologia, 27 (5), 696-702 DOI:10.1590/S1984-46702010000500005

Learn about Butterflies. “88 Butterfly”. Disponível em: <http://www.learnaboutbutterflies.com/Amazon%20-%20Diaethria%20clymena.htm>. Acesso em 7 de setembro de 2012.

Wikipedia. Diaethria clymena. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Diaethria_clymena>. Acesso em 7 de setembro de 2012.

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Se você gosta de flores, deveria amar insetos

por Piter Keboma Boll

Read it in English

Todo mundo gosta de flores, certo? Elas são tão coloridas e bonitas e geralmente possuem um aroma maravilhoso. As pessoas amam tê-las em seus jardins e mulheres amam receber um belo buquê de flores de seus namorados.

Algumas plantas com flores, da esquerda para a direita: Rosa 'Hybrid Tea', Pachystachys lutea e Zinnia elegans. Todas as fotos por Piter K. Boll (isto é, eu mesmo)*.
Algumas plantas com flores, da esquerda para a direita: Rosa ‘Hybrid Tea’, Pachystachys lutea e Zinnia elegans. Todas as fotos por Piter K. Boll (isto é, eu mesmo)*.

Mas por quê as flores são tão bonitas? É claro que as flores vistas acima são derivadas de variedades artificialmente selecionadas por humanos para aumentar sua beleza, mas flores na natureza também são maravilhosas!

Flores que ocorrem naturalmente. Da esquerda para a direita: Oxalis sp., Ipomoea fimbriosepala e Zephyranthes robusta. Todas as fotos minhas de novo (Piter K. Boll)*
Flores que ocorrem naturalmente. Da esquerda para a direita: Oxalis sp., Ipomoea fimbriosepala e Zephyranthes robusta. Todas as fotos minhas de novo (Piter K. Boll)*

Certamente essa beleza não possui a intenção de agradar pessoas ou o que quer que seja. Isso é pura besteira e somente alguns religiosos poderiam ter uma ideia tão errada. Se as plantas possuem belas flores, isso precisa dar-lhes alguma vantagem.

Como todos sabem (ou assim espero), as plantas geralmente não podem se mover como os animais, de forma que elas estão condenadas a ficar quietas em seu lugar. Isso pode significar uma porção de problemas quando você está procurando por recursos como água, luz ou elementos básicos como nitrogênio. Assim a evolução levou ao surgimento de estruturas incríveis para fazer as plantas sobreviverem, como adquirir um caule rígido para se tornar mais alta ou desenvolver folhas menores ou maiores, espinhos, gavinhas, ou mesmo se tornar carnívoras. Mas as plantas também precisam se reproduzir e para isso elas precisam de um parceiro, mas visto que elas são presas ao substrato, elas precisam encontrar maneiras alternativas de juntar seus gametas.

A maioria das plantas primitivas resolve isso através da água ou do vento, apenas deixando suas estruturas reprodutivas partirem e esperando que elas cheguem ao seu destino. Como você pode ver, este método não é o melhor, visto que a fertilização ocorre totalmente por sorte. Além disso, estas maneiras são limitadas em relação aos locais em que são bem-sucedidas. Uma planta fertilizada pela água precisa estar dentro da água ou viver próxima ao solo ou em locais onde ela eventualmente ficará submersa; da mesma forma, uma planta que depende do vento precisa, é claro, estar onde o vento sopra.

Musgo (esquerda) depende de água para se reproduzir, enquanto coníferas (direita) precisam de vento. Mais uma vez, fotos de Piter K. Boll.*
Musgo (esquerda) depende de água para se reproduzir, enquanto coníferas (direita) precisam de vento. Mais uma vez, fotos de Piter K. Boll.*

Esses métodos, apesar de limitados, funcionaram bem o bastante por milhões de anos até algum ponto do período cretáceo, quando um grupo de animais começou a se diversificar de maneira impressionante: os insetos.

Insetos são pequenos e prolíficos. Eles possuem um esqueleto externo duro de quitina, o que previne a desidratação e muitos ferimentos, e muitos deles aprenderam a voar, assim sendo capazes de cruzar grandes distâncias e colonizar novos ambientes.

Os insetos existem, claro, pelo menos desde o Carbonífero. O mais famoso deles é a libélula gigante Meganeura. Mas durante o Cretáceo aqueles grupos que hoje são os mais diversos começaram a aparecer em fósseis: formigas, abelhas, cupins, borboletas, mariposas, pulgões e gafanhotos. Besouros, o grupo mais diverso de insetos hoje (contendo mais espécies que todos os outros artrópodes juntos) são encontrados em fósseis desde o Carbonífero, mas quase se tornaram extintos durante a divisão Permiano-Triássico que marca a extinção em massa mais terrível na Terra. Após esse evento trágico, eles se mantiveram mais discretos até uma explosão em diversificação no Cretáceo junto com os insetos já mencionados.

Bem, todos esses insetos precisavam comer pra caramba e começaram a se alimentar de plantas, incluindo seu pólen. Isso poderia ser um sério problema, mas as plantas acharam um jeito de lidar com isso modificando a si mesmas de forma que os insetos se tornaram algo útil a elas.Se os insetos eram atraídos pelo seu pólen, por que eles não poderiam carregá-lo para outras plantas, assegurando assim uma fertilização mais segura? Foi isso mesmo que as plantas fizeram, mas para atrair os insetos ainda mais para seus órgãos reprodutores, elas começaram a aumentar de tamanho e a adquirir belas cores. Isso tudo aconteceu através de seleção natural de mutações aleatórias, é claro. Ninguém está assumindo que as plantas ou os insetos realmente escolheram mudar, isso é besteira. O que estou tentando dizer (de forma mais simples) é que aquelas plantas que eram capazes de conectar alguns de seus grãos de pólen aos insetos, de forma que eles atingissem outras plantas que o inseto visitasse, eram mais bem sucedidas em se reproduzir. Da mesma forma, aquelas plantas com flores mais bonitas atraíam mais insetos e também eram mais bem sucedidas se reproduzindo.

Enfim, é por isso que devemos agradecer aos insetos por existirem, porque sem eles não teríamos flores tão bonitas para decorar nossas vidas. E se você gosta de flores, mas odeia insetos, bem, você está sendo muito injusto com a natureza.

Eu sei que alguns podem pensar “mas eu gosto de borboletas. Elas são bonitas e legais e fofas e polinizam tudo, então só preciso gostar destes insetos e não de todas aquelas coisas nojentas.”

Ah é mesmo? Então você gosta de borboletas? Estou certo de que você gosta desta:

Lagarta de Agraulis vanillae. Foto de Bill Frank, extraída de jaxshells.org
Lagarta de Agraulis vanillae. Foto de Bill Frank, extraída de jaxshells.org

A maioria das pessoas gosta de borboletas e odeia lagartas, mas elas são exatamente a mesma coisa. E na verdade esses insetos passam a maior parte da vida como larvas. Agora só para saciar sua curiosidade, é com isso que aquela lagarta se parece quando adulta:

Um adulto de Agraulis vanillae em um capítulo de Zinnia elegans. Foto de Piter K. Boll.*
Um adulto de Agraulis vanillae em um capítulo de Zinnia elegans. Foto de Piter K. Boll.*

Mas borboletas não são os únicos polinizadores e nem mesmo os mais comuns. Abelhas, como você sabe, são também muito importantes e os principais polinizadores de muitas plantas economicamente importantes, especialmente frutíferas. Vespas, moscas, mosquitos, moscas-escorpiões e mariposas também são importantes, mas não podemos esquecer dos besouros.

A maioria das angiospermas basais e primitivas são polinizadas por besouros, então esses caras devem estar por trás do surgimento e da diversificação de plantas com flores. Há muitas evidências para isso, como um aumento da diversidade de angiospermas no registro fóssil sendo contemporânea com um aumento de espécies de besouros.

Recentemente, algumas flores fósseis da época turoniana (cerca de 90 milhões de anos) foram encontradas em Sayreville, New Jersey. Elas foram chamadas de Microvictoria svitkoana devido à impressionante similaridade com a vitória-régia, Victoria amazonica, apesar de muito menores em tamanho.

Flor de Victoria amazonica, uma das angiospermas mais primitivas. É fácil notar que ela de certa forma ainda lembra um cone de conífera. Foto de Frank Wouters.*
Flor de Victoria amazonica, uma das angiospermas mais primitivas. É fácil notar que ela de certa forma ainda lembra um cone de conífera. Foto de Frank Wouters.*

Apesar de primitiva, é certamente uma flor muito bonita, e só pode existir graças a besouros do gênero Cyclocephala, como este:

Cyclocephala hardyi, um besouro que poliniza Victoria amazonica. Foto extraída de ssaft.com/Blog/dotclear/
Cyclocephala hardyi, um besouro que poliniza Victoria amazonica. Foto extraída de ssaft.com/Blog/dotclear/

O que achou dele? Até que é um rapaz legal, não é? Se você olhar mais de perto, verá que cada inseto é impressionante de sua própria forma, até mesmo baratas!

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Referências:

Béthoux, O. 2009. The Earliest Beetle Identified. Journal of Paleontology, 83(6), 931-937 DOI: 10.1666/08-158.1

Crepet, W. L. 1996. Timing in the evolution of derived floral characters: Upper Cretaceous (Turonian) taxa with tricolpate and tricolpate-derived pollen. Review of Palaeobotany and Palynology, 90, 339-359 DOI: 10.1016/0034-6667(95)00091-7

Gandolfo, M. A., Nixon, K. C. and Crepet, W. L. 2004. Cretaceous flowers of Nymphaeaceae and implications for complex insect entrapment pollination mechanisms in early Angiosperms. PNAS, 101 (21), 8056-8060 DOI:10.1073/pnas.0402473101

Seymour, R. S. and Matthews, P. G. D. 2006. The Role of Thermogenesis in the Pollination Biology of the Amazon Waterlily Victoria amazonica. Annals of Botany, 98 (6), 1129-1135 DOI: 10.1093/aob/mcl201

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Por que todo mundo ri de Williamson, o “melhor amigo” de Lynn Margulis

por Piter Kehoma Boll

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O que você pensaria se alguém chegasse em você e dissesse que o seu caracol de estimação acidentalmente engravidou e você é o pai? Ou você foi ao médico e ele lhe disse “parabéns, você está grávida e o pai é um ouriço-do-mar”. Com certeza você sentiria orgulho, não é?

Bem, se você pensa que isso é um absurdo ridículo, você está certo! Mas adivinhe, há um cientista sênior (isto é, muito velho) alegando que tal coisa acontece na natureza o tempo todo! E qual é o seu nome? Donald I. Williamson.

Donald I. Williamson. Encontrei essa foto (a única), num blog polonês  (biokompost.wordpress.com). Infelizmente eu não falo polonês... ainda.
Donald I. Williamson. Encontrei essa foto (a única), num blog polonês (biokompost.wordpress.com). Infelizmente eu não falo polonês… ainda.

Nascido em 1922, ele é um planctologista e carcinologista britânico, já aposentado, é claro. Mas pelo menos desde 1987 vem publicando uma série de artigos estranhos afirmando que híbridos entre diferentes filos de animais aconteceram muitas vezes durante a história do reino animal.

Tudo começou, como já mencionado, em 1987, em seu artigo “Incongruous Larvae and the Origin of some Invertebrate Life-Histories” (Larvas Incongruentes e a Origem da História de Vida de alguns Invertebrados), onde ele considera as enormes diferenças entre adultos e larvas em muitos animais, primeiramente considerando echinodermos em especial. Sua ideia “revolucionária” é que larvas e adultos evoluíram separadamente em diferentes linhagens de animais e mais tarde se tornaram uma espécie única por hibridização. Ele alega isso incialmente com a citação de trabalhos que sugerem a possibilidade de transferência horizontal de genes entre organismos distantemente relacionados, principalmente causada por vírus levando uma quantidade pequena do DNA do hospedeiro de um organismo para o outro. Assim ele aparentemente pensou “Se é possível levar um gene de um animal para outro, por que isso não poderia acontecer com o genoma inteiro?”.

Equinodermos, suas primeiras vítimas, são considerados como tendo hibridizado com hemicordados, assim explicando porque a larva dos dois grupos é tão similar. Ao final, ele admite que não fez qualquer pesquisa em relação a todos ou a maioria dos trabalhos recentes sobre desenvolvendo e filogenia dos grupos alvos.

Uma estrela do mar (Echinoderma) e um balanoglosso (Hemichordata). Certamente um casal adorável. Fotos por Mike Murphy e Philcha, da Wikipedia.
Uma estrela-do-mar (Echinoderma) e um balanoglosso (Hemichordata). Certamente um casal adorável. Fotos por Mike Murphy e Philcha, da Wikipedia.

Aqui é interessante citar um trabalho por Švácha (1992) estudando os discos imaginais em larvas de insetos holometábolos (aqueles com estágios de larva, pupa e adulto). Discos imaginais são regiões de células aparentemente não diferenciadas em larvas de insetos e inicialmente consideradas como a fonte da maioria das características dos adultos não encontradas em larvas, bem como responsáveis pela substituição dos órgãos das larvas por novos em adultos, como as antenas da larva sendo substituídas por novas durante a transição de um estágio para outro. Švácha percebeu, no entanto, que isso na verdade não acontece e que discos imaginais somente ajudam a desenvolver estruturas larvais, mas não as substituem por novas. Ou seja, a forma adulta dos insetos não vem de um segundo “embrião” escondido dentro da larva.

É claro que Williamson ignorou esse artigo e muitos outros e em 2001 trouxe outro argumento para se sustentar: uma falácia.

Você pode ou não saber, mas a teoria endossimbionte sugere que organelas intracelulares, como mitocôndrias e cloroplastos, se originaram de bactérias associadas a células eucarióticas. Pode-se então supor que a função de organelas intracelulares existiu antes das próprias organelas, assim para Williamson foi completamente lógico assumir que as características de larvas existiram antes dos animais terem larva.

Como se ele estivesse num estado frenétco, Williamson começou a descarregar toneladas de hibridizações “perfeitamente possíveis” entre grupos animais. Para citar algumas:

  • Larvas de turbelários vieram de rotíferos
  • Larvas de equinodermos vieram de hemicordados
  • Larvas de tunicados vieram de Appendiculata (um grupo antigo que compreendia artrópodes, anelídeos, rotíferos e outros)
Um policladido (Turbellaria) e um 'animal-roda' (Rotífera). Outro casal adorável. Fotos por Dr. James P. McVey do NOAA Sea Grant Program; e Absolutecaliber, da Wikipedia.
Um policladido (Turbellaria) e um ‘animal-roda’ (Rotifera). Outro casal adorável. Fotos por Dr. James P. McVey do NOAA Sea Grant Program; e Absolutecaliber, da Wikipedia.

E para deixar ainda mais bizarro, ele sugeriu que a blástula dos embriões animais veio de uma hibridização com Volvocales, um grupo de algas verdes!

De acordo com Williamson (2001), a blástula de embriões de animais veio de uma hibridização com uma alga do grupo Volvocales (esquerda). Fotos pela Agência de Proteção Ambiental, Governo Federal dos EUA; e Pearson Scott Foresman, da Pearson Company.
De acordo com Williamson (2001), a blástula de embriões de animais veio de uma hibridização com uma alga do grupo Volvocales (esquerda). Fotos pela Agência de Proteção Ambiental, Governo Federal dos EUA; e Pearson Scott Foresman, da Pearson Company.

E como você também pode ver ao ler seu trabalho, a maioria de suas referências são seus próprios trabalhos anteriores, obviamente indicando uma falta de interesse em qualquer estudo REAL tentando entender a origem de diferenças entre larvas e adultos. Também vale a pena notar que Williamson possuía uma fobia incomum pelos nomes das classes de equinodermos, visto que a terminação -oidea era incômoda demais para ele para ser vista em algo que não fosse uma superfamília.

Em 2006, Minelli et al. apresentaram uma revisão interessante de pesquisas considerando o desenvolvimento de artrópodes de formas larvais para adultos, onde uma das explicações possíveis para a drástica mudança ocorrente em larvas de insetos holometábolos não é nada mais completo que uma forma de “neotenia”, isto é, quando estágios iniciais de desenvolvimento duram mais tempo no ciclo de vida de um organismo. Neste caso, a coisa provável que ocorre é que a larva de insetos holometábolos são algo como embriões bem desenvolvidos e móveis; nada tão estranho, certo? E adivinhe? Em toda a revisão não há uma única menão a Williamson, e nós todos podemos imaginar por quê…

No mesmo ano, Williamson ataca novamente com outro papel, desta vez afirmando que a explosão cambriana ocorreu devido ao grande número de hibridizações com transferência larval e, como em todos os seus trabalhos anteriores, usa o argumento de que “a seleção natural não pode explicar tais divergências entre adultos e larvas”. Nós tabém podemos perceber que ele ignora completamente todas as publicações recentes relacionadas a filogenética e genômica e, ao menos ao que parece para mim, ignore qualquer coisa relacionada a teorias evolutivas que não seja “A Origem das Espécies” de Darwin e os trabalhos de Lynn Margulis (por quem ele parece ter alguns sentimentos passionais desesperados).

E então novamente, em 2009, ele aparece com outro artigo, este publicado na PNAS, entitulado “Caterpillars evolved from onychophorans by hybridogenesis” (Lagartas evoluíram de onicóforos por hibridogênese), onde ele persiste em suas ideias absurdas, afirmando que lagartas surgiram de uma mariposa fêmea sendo acidentalmente fertilizada por um onicóforo macho, e ele continua ignorando qualquer coisa relacionada a dados moleculares, atacando as ideias de Darwin e Haeckel mais uma vez e citando somente trabalhos que, pelo seu ponto de vista limitado, poderiam suportar de alguma forma suas ideias incongruentes. Todos os artigos publicados durante estes mais de 20 anos em que ele passou afirmando a mesma bobagem, como um pastor fanático numa igreja, foram deixados de lado.

"Com licença,senhorita, mas você acabou de ser fecundada pelo meu sêmen." Os dois pais originais de uma lagarta, de acordo com Williamson, teriam sido um onicóforo e uma mariposa. Fotos por Thomas Stromberg e Jonathon Combes.
“Com licença,senhorita, mas você acabou de ser fecundada pelo meu sêmen.” Os dois pais originais de uma lagarta, de acordo com Williamson, teriam sido um onicóforo e uma mariposa. Fotos por Thomas Stromberg e Jonathon Combes.

Enfim, este trabalho ganhou uma repercussão maior que os anteriores e muitos cientistas manifestaram sua indignação por ele, de forma que por dois meses o artigo foi suspendido de publicação impressa, até que finalmente apareceu impresso na edição de novembro daquele ano (2009).

Agora, falando sério, como é possível que uma ideia tão ridícula foi aceita para publicação neste século, depois de todos os pesquisadores sérios preocupados com a filogenia e ontogenia de animais?

Bom, foi possível por uma razão: Lynn Margulis. Foi ela quem aprovou o artigo, através de uma rota de submissão que permitia a membros da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos gerenciar a revisão do manuscrito de um colega. Mas por que Lynn Margulis apoiaria tal ideia de um velho “cientista” aposentado e fora de si? Eu diria que é porque ela estava bem fora de si também.

Lynn Margulis. Foto por Javier Pedreira.
Lynn Margulis. Foto por Javier Pedreira.

Se você conhece Lynn Margulis, você também sabe que ela já foi uma bióloga brilhante com ideias desafiadoras, ajudando a tornar a teoria endossimbionte conhecida e eventualmente aceita para explicar a origem de cloroplastos e mitocôndrias. Mas em seus últimos anos (ela faleceu em 22 de Novembro de 2011) ela começou a atacar ideias bem suportadas em ciência de uma forma meio irracional, como afirmando que AIDS não é causada pelo HIV.

Quando este último trabalho de Williamson foi liberado para impressão, o mesmo número trouxe um desafio pelo zoólogo Gonzalo Giribet e um artigo por Hart & Grosberg rejeitando as ideias de Williamson baseados em todos os dados moleculares já disponíveis que claramente indicam que insetos holometábolos não possuem genes onicóforos de forma alguma para explicar tanta besteira.

Aparentemente Williamson preparou uma breve resposta, mas ela não foi liberada para publicação.

Assim, após ler isso, penso que qualquer um pode entender por que ninguém pode levá-lo a sério. Ou você pode de alguma forma acreditar que possa ficar grávida de uma água-viva enquanto está nadando no mar?

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Referências:

Abbott, A., Brumfiel, G., Dolgin, E., Hand, E., Sanderson, K., Van Noorden, R., & Wadman, M. 2009. Whatever happened to …? Nature DOI:10.1038/news.2009.1162

Giribet, G. 2009. On velvet worms and caterpillars: Science, fiction, or science fiction? Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (47), e131 DOI:10.1073\pnas.0910279106

Hart, M., & Grosberg, R. 2009. Caterpillars did not evolve from onychophorans by hybridogenesis Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (47), 19906-19909 DOI: 10.1073/pnas.0910229106

Minelli, A., Brena, C., Deflorian, G., Maruzzo, D., & Fusco, G. 2006. From embryo to adult—beyond the conventional periodization of arthropod development Development Genes and Evolution, 216 (7-8), 373-383 DOI:10.1007/s00427-006-0075-6

Švácha, P. 1992. What Are and What Are Not imaginal Discs: Reevaluation of Some Basic Concepts (Insecta, Holometabola) Developmental Biology, 154, 101-117

Williamson, D. 1987. Incongruous larvae and the origin of some invertebrate life-histories Progress In Oceanography, 19 (2), 87-116 DOI: 10.1016/0079-6611(87)90005-X

Williamson, D. 2001. Larval transfer and the origins of larvae Zoological Journal of the Linnean Society, 131 (1), 111-122 DOI: 10.1006/zjls.2000.0252

Williamson, D. 2006. Hybridization in the evolution of animal form and life-cycle Zoological Journal of the Linnean Society, 148 (4), 585-602 DOI:10.1111/j.1096-3642.2006.00236.x

Williamson, D. 2009. Caterpillars evolved from onychophorans by hybridogenesis Proceedings of the National Academy of Sciences DOI:10.1073/pnas.0908357106

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Encontrados e depois perdidos: o lado não tão iluminado da taxonomia

por Piter Kehoma Boll

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Uma das grandes questões sem resposta em nosso conhecimento do mundo é “Quantas espécies há na Terra?” e nós estamos longe de ter ao menos uma aproximação do número real. Há, é claro, milhares de especulações, variando enormemente entre si, mas poderíamos dizer que o valor médio seria de cerca de dez milhões de espécies, enquanto atualmente conhecemos somente cerca de 1,5 milhão. E esse é exatamente o ponto no qual eu estou interessado em focar aqui: o número de espécies que conhecemos atualmente. Temos certeza de que tudo o que consideramos espécies de fato o são?

Provavelmente todo mundo já ouviu falar sobre a situação onde um grupo de organismos outrora considerados uma única espécie eram de fato duas distintas, como os elefantes africanos Loxodonta africanaL. cyclotis, onde o segundo só foi classificado como uma espécie distinta em 2010.

Elefante-da-savana, Loxodonta africana (esquerda) e elefante-da-floresta Loxodonta cyclotis (direita). Fotos por uhammad Mahdi Karim (esquerda), de http://www.micro2macro.net, e Peter H. Wredge (direita), extraída da Wikipedia.
Elefante-da-savana, Loxodonta africana (esquerda) e elefante-da-floresta Loxodonta cyclotis (direita). Fotos por uhammad Mahdi Karim (esquerda), de http://www.micro2macro.net, e Peter H. Wredge (direita), extraída da Wikipedia.

Quanto às pessoas no geral, se você lhes pedir para que digam o nome de um animal, elas provavelmente dirão o nome de um mamífero, ou talvez de uma ave, um réptil ou, se você tiver sorte, dirão “borboleta” ou “aranha” e isso é tudo. Bem, não há nada de errado com isso, mas eu acho que as pessoas deveriam se dar conta de que esses animais, como leões ou elefantes, são apenas uma partícula pequena de todo o mundo de espécies.

Eu no momento tenho uma bolsa de iniciação científica na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), onde trabalho no IPP (Instituto de Pesquisa de Planárias) com ecologia, fisiologia e comportamento de planárias terrestres.

Para aqueles que não as conhecem (e eu sei que há muitas pessoas que não), planárias terrestres são vermes achatados terrestres, pertencentes ao filo Platyhelminthes, no grupo Tricladida. Elas geralmente são encontradas sob rochas ou troncos em áreas de floresta, mas também em jardins ou outros lugares. Muitas delas são muito sensíveis à luz, a altas temperaturas ou a extremos  de seca e umidade, de forma que sua presença costuma indicar uma área mais conservada.

Dois espécies de Luteostriata abundans (Graff, 1899), uma planária terrestre do sul do Brasil. Foto por Piter K. Boll.
Dois espécimes de Luteostriata abundans (Graff, 1899), uma planária terrestre do sul do Brasil. Foto por Piter K. Boll.
Geoplana rubidolineata Baptista & Leal-Zanchet, 2006. Foto por Fernando Carbayo, extraída de Baptista & Leal-Zanchet, 2006.
Geoplana rubidolineata Baptista & Leal-Zanchet, 2006. Foto por Fernando Carbayo, extraída de Baptista & Leal-Zanchet, 2006.

Planárias terrestres são um grupo ainda muito pouco conhecido e, apesar de um grande número de espécies ter sido descrito nas últimas décadas, muitas mais ainda precisam ser, e aquelas já descritas não são muito compreendidas no que condiz à sua ecologia e ao seu comportamento.

As primeiras planárias terrestres descritas foram definidas baseadas somente em características externas, principalmente forma do corpo, cor e disposição dos olhos. Mas Ludwig von Graff, em seu trabalho de 1986 “Über die Morphologie des Geschlechtesapparates der Landplanarien” (Sobre a morfologia do aparelho reprodutor das planárias terrestres) já percebia a importância da morfologia interna, principalmente a do aparelho copulador, para uma identificação mais precisa ao nível de espécie.

Reconstrução sagital do aparelho copulador de Rhynchodemus scharffi Graff, 1896. Extraído de Graff, 1896.
Reconstrução sagital do aparelho copulador de Rhynchodemus scharffi Graff, 1896. Extraído de Graff, 1896.

Apesar disso, os anos seguintes ainda foram marcados por publicações considerando somente aspectos externos, como o trabalho de Schirch (1929). Somente pelos anos 1950 um foco real passou a ser dado à estrutura de órgãos masculinos e femininos. A maioria dos trabalhos sobre a descrição de planárias terrestres, como os dos casais Marcus e Froehlich, focaram-se no aparelho copulador juntamente com características externas, dando assim uma descrição mais confiável de novas espécies. Nessa época, estruturas reprodutivas se tornaram essenciais para a classificação de novas espécies e eventualmente levaram à criação de novos gêneros.

Desenhos de várias planárias terrestres. Extraído de Schirch, 1929.
Desenhos de várias planárias terrestres. Extraído de Schirch, 1929.
Desenhos de estruturas internas e externas de várias planárias terrestres. Extraído de Marcus, 1951.
Desenhos de estruturas internas e externas de várias planárias terrestres. Extraído de Marcus, 1951.

Em 1990, Ogren e Kawakatsu publicaram um índice de todas as espécies de planárias terrestres conhecidas para a família Geoplanidae naquela época. Eles perceberam que muitas espécies ainda classificadas no gênero Geoplana, como as descritas por Schirch, nunca foram revistas e ainda eram conhecidas apenas por características externas, de forma que sua posição dentro de Geoplana poderia não estar correta. Para evitar essa classificação errônea, eles criaram um novo “gênero temporário”, o qual chamaram de Pseudogeoplana (falsa Geoplana) e puseram todas essas espécies duvidosas nele até que alguém as revisse e pudesse colocá-las no gênero correto, ou Geoplana ou algum outro.

Mas adivinhem? Ogren e Kawakatsu fizeram isso em 1990 e agora estamos em 2012 e a situação continua a mesma. Essas pobres espécies de planárias ainda estão esperando nesse abrigo taxonômico até que alguém as mova para o local a qual pertencem.

Assim como podemos ter certeza sobre qualquer coisa a respeito dessas espécies? Elas foram descritas em 1929, quase um século atrás, e ninguém se importou com elas desde então. E eu aposto que o mesmo ocorre em outros grupos menos fofos e atraentes, então enquanto descrevemos centenas ou milhares de espécies novas todo ano, outras centenas e milhares são deixadas para trás, esquecidas em vidros empoeirados de museus de zoologia pelo mundo.

Eu só espero que isso mude algum dia.

Obrigado por ler.

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Referências:

Baptista, V., & Leal-Zanchet, A. 2005. Nova espécie de Geoplana Stimpson (Platyhelminthes, Tricladida, Terricola) do sul do Brasil Revista Brasileira de Zoologia, 22 (4), 875-882 DOI: 10.1590/S0101-81752005000400011

Du Bois-Reymond Marcus, E. 1951. On South American Geoplanids. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Série Zoologia, 16, 217-256.

Froehlich, E. M. 1955. Sobre Espécies Brasileiras do Gênero Geoplana. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Série Zoologia, 19, 289-339.

Graff, L. v. 1896. Über die Morphologie des Geschlechtsapparates der Landplanarien. Verhandlungen der Deutschen Zoologischen Gesellschaft, 73-95.

Marcus, E. 1951. Turbellaria Brasileiros. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Série Zoologia, 16, 5-215.

Mora, C., Tittensor, D., Adl, S., Simpson, A., & Worm, B. 2011. How Many Species Are There on Earth and in the Ocean? PLoS Biology, 9 (8) DOI: 10.1371/journal.pbio.1001127

Ogren, R. E. & Kawakatsu, M. 1990. Index to the species of the family Geoplanidae (Turbellaria, Tricladida, Terricola) Part I: Geoplaninae. Bulletin of Fuji Women’s College, 28, 79-166.

Rohland, N., Reich, D., Mallick, S., Meyer, M., Green, R., Georgiadis, N., Roca, A., & Hofreiter, M. 2010. Genomic DNA Sequences from Mastodon and Woolly Mammoth Reveal Deep Speciation of Forest and Savanna Elephants PLoS Biology, 8 (12) DOI: 10.1371/journal.pbio.1000564

Schirch, P. F. 1929. Sobre as planarias terrestres do Brasil. Boletim do Museu Nacional, 5, 27-38.

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